A uma volta completa, dá-se o nome de tropiko. E a completude exige um esforço desmesurado…
Berço, série Tropikos, 2015. Detalhe de projeção sobre areia.
Objetos de uma sala se transformam em situações escultóricas onde vídeos, painéis eletrônicos, miniaturas e imagens dialogam com o entorno em um esforço de dar visibilidade ao encontro do artista com uma nova paisagem, o Rio de Janeiro.
Assim como na série Salas de Estar, 2014, as obras são independentes entre si, mas em conjunto, tratam do mesmo exercício de entendimento. Também exigem esforço do público – solicitam tempo, não se entregam a um olhar rápido – mas lhe recompensa com gestos de cumplicidade.
O BERÇO
Mesa de centro, cadeiras, fotos feitas com celular impressas sobre papel de algodão de pessoas que dormem nas ruas do Rio de Janeiro, miniprojeção de vídeo do artista, deitado na praia em uma espreguiçadeira, miniprojeção de vídeo de vista do Aterro do Flamengo, arame, areia, luz de led.
Berço, série Tropikos, 2015. Detalhes
WHAT IS IT THAT MAKES LIVING IN THE TROPICS SO BEATIFUL, SO APPEALING?
(After Richard Hamilton)
70 x 40 x 40 cm
Mesa de madeira, miniprojeção de vídeo de empregados domésticos andando em câmara lenta, miniaturas do artista e de Angélica Franca impressas em 3D, miniaturas de coqueiros, bananeiras e costelas de Adão, papel de seda e areia.
What is it that makes living in the tropics so beautiful, so appealing? (After Richard Hamilton), 2015. Foto: Cláudio VersianiWhat is it that makes living in the tropics so beautiful, so appealing? (After Richard Hamilton), 2015
A VOLTA
130 x 30 x 30 cm
Mesinha de madeira, miniaturas do artista impressas em 3D, base giratória e painéis de led com o texto: A VOLTA – NÃO DEVOLVE – O QUE LEVOU.
Banco de madeira, projetores de led, xícaras, leite de magnésio. Vídeo em looping projeta imagem de remador captada por drone pelo fotógrafo Daniel Marenco.
Por quantas vezes eu irei _ _ _ _ _ _ você? Escreva seu nome sobre o verbo de sua escolha para preencher a frase e volte ao final da exposição para ver se você foi premiado com uma obra de arte.
Rifa: o verbo de sua simpatia – o prêmio, 2007. Gravação laser sobre vidro
Descarte o medo / Destaque o desejo, 2009. Ligue os pontos, 2009
Listas de desejos e medos do próprio artista em formato de liga-pontos. Impressão em offset com 15 liga-pontos de desejos e 30 liga-pontos de medos, formato A4.
Descarte o medo / Destaque o desejo, 2009Descubra o desejo / descarte o medo, 2009
Você tem 120 segundos para preencher o vazio, 2009
Projeção interativa em grande formato de liga-pontos que, ao serem completados, revelam substantivos abstratos.
Voê tem 120 segundos para preencher o vazio, 2009
O espaço sonha e desperta palavras, 2009
Vinil de recorte e impressão offet. Caixa com liga-pontos para montar. Uma vez conectados os pontos, revela-se a frase “o espaço sonha e desperta palavras”.
O espaço sonha e desperta palavras, 2009
Enigma, 2011
Plotagem (350 x 247 cm) e impressão offset em formato meio A4. Apresenta-se em um criptograma a pergunta “Que sentido tem estar aqui?” em quatro idiomas: catalão, português, castelhano e inglês. Em uma mesa, há quatro blocos com a versão impressa, cada um em uma língua, disponíveis para o público. O jogo visita a questão do deslocamento: não basta conhecer a língua, é preciso dominar os códigos da cultura de quem a fala.
Enigma, 2011
Catavento, 2001
Catavento de papel impresso em offset com o texto EU – QUE – NÃO – SOU – SÓ. Cada sílaba fica em uma pétala do objeto. Ao girar, a frase fica em looping. Montagem em dimensões variáveis. O impresso é distribuído durante a exposição.
Catavento, 2001Catavento, 2001
O que mais posso esperar de você?, 2003
Peça interativa. Acrílico recortado a laser. 120 x 120 cm.
O que mais posso esperar de você?, 2003. Foto: Wilton MontenegroO que mais posso esperar de você?, 2003. Foto: Wilton Montenegro
Outubro de 2001. Publicado em Gentil Reversão, 2002, CCBB – Brasília.
20 de agosto: Tenho lido tanto, que o fato de ler tanto em uma língua que não domino e entender tanto do que querem dizer, me faz pensar nas palavras acessórios, as palavras adereços, as palavras balangandãs. Tenho pensado nas palavras que não servem àra nada, aão as palavras-obras-de-arte. Não existe, para elas, uma função utilitária, prática, objetiva. Elas apenas existem para fazer diferença. Existem para encher os olhos e a alma. Não precisam significar nada, precisam apenas estar ali, paradas ocupadas em ser palavras, em estar no lugar certo, na hora certa. Não deve ser fácil a vida de palavra acessório, tão necessária e por vezes, tão desapercebida. Nunca faz o papel principal. Sempre fazendo figuração, mas suporte essencial para a beleza. (Angélica Franca) 1
Retrato Falado. Versão de rua, 2002
Chico Amaral foi morar em Barcelona, contratado por uma empresa na qual ninguém o conhecia pessoalmente. O que o apresentou foi seu trabalho e a descrição que dele foi feita. Chico, o profissional, tinha seu retrato. Chico, a pessoa, era uma incógnita a ser desvendada pela empresa e pela cidade (que ele também teria que desvendar). Chico passava a ser um anônimo (um sem nome). Sua última obra produzida no Brasil chama-se Retrato Falado. Quatro enormes reproduções de retratos seus, feitos por um desenhista da polícia, a partir de depoimentos colhidos de quatro pessoas muito próximas a ele: sua mulher, um fotografo amigo, uma jornalista colega de jornal e um grande amigo também artista2. Quatro retratos absolutamente diferentes. Quatro chicos… nenhum chico… Tão estranhos, poruqe desconhecidos e ao mesmo tempo denunciadores da mais absoluta familiaridade com aquele roto-que-é-e-não-e-quatro-rostos: re(des)conhecido. Ao lado das imagens, os textos dos depoimentos delineiam um anônimo que, todavia, guarda as características de um ser nomeado (e portanto diferenciado dos outros uns) visto por diferentes olhares.
Castelo e cartas para jogar arte, 2000
Ao descrever sua nova casa na Espanha, ele fala de um hall de entrada coberto por um tapete verde feito de grama artificial. Ou seja, “entra-se para fora” em um verde que cita outros verdes presentes em sua obra. Este tapete, matéria-prima para eventuais quadras de jogos de futebol, remete ao verde das insólitas mesas de pingue-pongue que projeta, para o feltro verde das mesas de carteado.
Essas duas histórias recentes atualizam as questões que o trabalho de Chico visita recorrentemente: o autoretrato construído metaforicamente pela inserção da matéria-palavra, reguladora da imagem de si que ele oferece/compõe para um outro registrar (orientando a execução dos objetos/obras); e o binômio paradoxal Acaso/estratégia que o jogo comporta (e suporta), conduzido pelas palavras/enigmas de suas mínimas indicações. São duas questões que convivem na obra e apontam para o fato de que a construção poética é capaz de tecer tecidos impossíveis, entrelaçar a subjetividade à esfera do impessoal das regras a serem seguidas por todos, igualmente.
Alguma bolinhas de pingue-pongue estão inscritas: “minha vez de esperar sua vez”. E as raquetes podem conter o rosto de Chico – duas que viram uma, unidas por suas bases, então transformadas em compridas bandagens de borracha que se enrolam em torno do corpo do artista, construindo um (auto)retrato de uma múmia negra. A única pista de identidade são essas raquetes que pendem das extremidades das bandagens (o que não deixa de lembrar as múmias romanas portanto, no lugar dos rostos, um belo retrato do morto que não condiz com o momento de sua morte, mas com a imagem que dele se queria conservar). O retrato da raquete tem olhos e boca escondidos/reformatados pelas bolinhas de pingue-pongue. Um autorretrato que abdica de desvelar suas particularidades: UM QUE PODE SER QUALQUER OUTRO.
Jogo dos Sete Erros, manual de montagem
Tensionando a ideia da possível manutenção de uma identidade – de saída colocada no campo do imaginário – ele a situa (como um propositor de jogos) em constante parceria /contenda com a alteridade. “Umseroutroumser”, “um ou outro”, “um & outro”, “um A outro”, “eu que não sou eu que não sou só eu que não sou só eu que não sou só”3 … um que joga consigo sendo seu adversário. Um jogo que se joga por si mesmo.
Talvez todas essas sejam propostas de localização do olhar desses uns/outros: artista/artista, artista/fruidor, fruidor/artista. Estabelecimento de lugares que podem ser ocupados por um ou outro e por um & outro, simultaneamente, operados por um terceiro – sempre presente na relação entre dois – que é a linguagem. Concebidas como armadilhas para o olhar, ao requisitarem uma ação direta do fruidor, as obras se oferecem também como enigma ao próprio artista, exposto às versões produzidas pelos observadores que criam seus próprios “modos de usar” a partir das “instruções” que recebem. Não há lugar garantido: UM É OUTRO.
Objeto de asfalto e alumínio, 1996
Já no início de sua trajetória, quando explorava as possibilidades da pintura, essas mesmas questões pareciam se apresentar nas inscrições recobertas e redescobertas sobre a superfície da tela, na qual a palavra assumia o duplo papel de signo e de matéria. Era nomeação que se escondia e se esvaziava de qualquer significação, era jogo de velar/desvelar, capturando o observador no exercício de decifração. Mais que impacto retiniano, tratava-se de exigir ação compartilhada de artista e fruidor.
Questões que surgiam também nas coleções de fragmentos de asfalto (material usado também para pintar) que foram abrindo caminho para o espaço tridimensional ao se associarem ao chumbo e à borracha. Coleções impossíveis de categorizar; coleções de “issos”, expostas a partir de uma catalogação rigorosa. “Issos” com lugar e função contingente.
Óculos espelhados para dentro, 1996
Depois vieram os Equipamentos de ver, já a meio caminho do abandono da manufatura, que aconteceria nas séries seguintes. Xícaras, óculos e olhos mágicos que devolviam o olhar do olhador (uma espécie de auto-retrato de todo mundo4). Chico associa os equipamentos de ver à ideia de prestidigitação, a uma espécie de dejaprés5 contraposto ao dejà-vu: visão que, ao invés de conter o sentido de revivência como o último termo, lança o de projeção, sugestão da visão que virá. De qualquer maneira, circunscrição do olhar. Lembrete de nossas limitações. Nosso olhar submetido pelas marcas de visões anteriores, pela visão de nós mesmos: UM É E NÃO É OUTRO.
A série Jogo dos 7 Erros, incorpora plenamente a estratégia adotada pelo artista na criação de suas obras: concepção + direção + manufatura terceirizada. Aqui, surgem as inúmeras versões possíveis (e ainda mais, impossíveis) do jogo de pingue-pongue. Portadores de um rigor exigidos pelas regras do jogo, os objetos sofrem deformações que impossibilitam o ato de jogar. A ação confinada ao cérebro do fruidor. Para abordá-los, é necessário embarcar na brincadeira que eles propõem… e aí se está capturado na armadilha da qual qualquer saída terá de ser inventada. Capturado por um movimento pendular entre a requisição de uma ação física sobre a obra e o seu impedimento: jogue se puder! Embalam o percurso sons que podem ser a repetição ad infinitum do ruído da bola sobre a mesa, durante o jogo, ou a fala dos alto-falantes saídos de insólitas mesas, cuja vibração desloca as bolinhas para cima e para baixo, repetindo exaustivamente: um ser outro um ser… UM E OUTRO. O díptico sonoro – outras mesas verdes em anamorfose – portam a sua inscrição: na primeira de um, em seu par de outro. Delas saltam bolinhas impulsionadas pelo som do jogo em curso (dois que são um par, são par-ceiros e jogam sozinhos). Mas as bolinhas trazem o texto complementar/anulador das afirmações: em de um, elas afirmam de outro; em de outro, nos segredam de um: NEM UM NEM OUTRO.
Jogo dos Sete Erros, mesas caixas
Há também uma rifa O verbo de sua simpatia – Por quantas vezes eu irei… você?, cem verbos plotados a exigir adesão (entusiasmada) dos visitantes a uma-enquete-para-nada que oferece como prêmio a bolinha do jogo de pingue-pongue. Assina-se sob a ação de nossa preferência (!?): atravessar, contactar, moldar, fritar, penetrar, esculpir, olhar, matar, substituir… Verbos sem sujeito sem objeto… verbos para nada. Ou verbos a serem encaixados em algum lugar futuro, verbos dejaprés.
Cartas para jogar arte, 2001
Seu trabalho mais recente, já elaborado na condição de estrangeiro, traz um baralho de muitos Ases que não são por muito tempo o que eram: Ás que é &, Ás que é A, Ás que é OU… valete que é UM e é OUTRO. Segundo o artista, nesse jogo, “…jogar seria ordenar as cartas. Várias mãos de cartas, como sequência de pôquer. Elas formarão sequências de frases ou poemetos”6 ou… seria fazer castelos de cartas… ou associar, às palavras, o valor simbólico dos naipes: espadas = ar; paus = fogo; copas = água; ouros = terra; valete = sujeito da transição = ambivalência. Código sobre código sobre código…. A ser usado sobre o feltro verde de uma mesa de jogos, para que ninguém se esqueça do que se trata, afinal. Ao se insinuarem como possível matéria-prima para um castelo-devir para quem souber ler, esses baralhos apontam as sua ancestralidade, filhos que são de um outro, trazidos aos nosso olhos-ouvidos pela mão de Calvino7, quando ele nos relata a história de uma mapa de destinos constituído por cartas de baralho, sua poesia de destinos cruzados. Por isso, esse baralho de Chico é itinerante, desloca-se levado por quem ousar lê-lo… e fazer trilhas poética com ele.
Catavento, 2000
Para aquela entrada-jardim de seu recente hall-de-saída, Chico conta que montou um catavento-para-lugares-sem-vento, catavento de apartamento e de galeria, esperando – flor(girassol) simulada que também é – que simulemos a brisa que o fará girar as palavras que suas pétalas carregam sempre aos pares e contrapostas: eu – que – não – sou só. Espera que nós, leitores, provoquemos neles a a ilegibilidade. Seus “cata-olhos, gira-olhos, gira-textos, cata-sopros, cata-gente”8 nos falam da volatilidade das plavras… mesmo as que estão gravadas… um em outro tempo, em outro lugar, já é outro. “Eu que não sou só eu que não…”. Sem dúvida, cata-gente.
Todas essas estratégias (que são estrutura a ser preenchida pelos lances do acaso) parecem dizer de maneira ambiguamente sutil e contundente que a questão de ser “um” (que é ser outro), constituir-se como sujeito (que não se confunde com indivíduo, pois está descentrado em relação a este último), diz respeito a pequenos gestos e palavras – sobre os quais temos certo domínio – que se repetem constantemente, criando assim a pontuação à versão que constituímos sobre nós mesmos e sobre a qual nos apoiamos, quando falamos nosso próprio nome. A nossa diferença.
—–
1 Do “Diário de Maria”, de Angélica Franca, vivendo sua aventura em Barcelona.
2 São eles: Angélica Franca, Cláudio Versiani, Tina Vieira e Ralph Gehre.
3 Umser… é o nome de uma vídeo-instalação, exibida no Salão da Bahia em 2000/1; os outros “uns” são possibilidades de um jogo de cartas; “Eu que…” é o texto distribuído nas pétalas de um catavento-flor-enigma que o artista constrói no momento.
4 Como referência ao livro “Autobiografia de todo mundo” de Gertrude Stein, onde identidade e alteridade se confundem. No texto, sem utilizar uma única pontuação, ela conta a história de vários participantes da vanguarda histórica (e a dela, entre eles) vivendo na <pais do início do século XX.
5 Termo cunhado pelo artista.
6 De um e-mail enviado ao Gentil Reversão em 7/09.
7 Ítalo Calvino, “O castelo dos destinos cruzados”, Cia das Letras 1990. Do mesmo Calvino, Chioc toma a descrição do ato de botar-o-lixo-para-fora como alusão e álibi filosófico para a rotina7. O mínimo pode conter o máximo de evocação: para um viajante/estrangeiro (“me mudei – me mudo”) o ato de desfazer-se de algo (mesmo dos restos) vem carregado de desdobramentos. No texto “La poubelle agréée”. In, “O caminho de San Giovani”, Cia das Letras 2000, p. 79-101. Os e-mails que troca com Ralph Gehre, em agosto desenvolvem esta ideia.
8 Nomes possíveis para esse objeto, ainda em construção, aventados pelo artista, num e-mail de 25/10:
“Creio que serão negros. Serão postos virados para cima, como girassóis. Ah, meu jardim-deslocado de plástico. Girassóis negros que buscam olhos para que sejam lidos. Gira-olhos? Cata-olhos? Gira-textos? Para lê-los deve-se olhar para baixo. À medida que entram em movimento, o texto perde a legibilidade. Girar dá vertigem ao texto. Mudar de posição também (me mudei – me mudo). Vertigem do texto de ser. Gira-ser? Te lembro que na sala não há vento. Para que estes tais girem, precisam ser soprados. São interativos. Catam-sopros? Catam-gente? Penso que se instalam como um jardim…”.
Jogo dos Sete Erros, Mesa Fólio, 1999Jogo dos Sete Erros, Mesa Fólio, 1999Jogo dos Sete Erros, mesa escada, 2000Jogo dos Sete Erros, mesa curta, 2000Jogo dos Sete Erros, 1999. Foto Tuca Reinés, arquivo MAM SPJogo dos Sete Erros, mesa redonda, 1999Jogo dos Sete Erros, mesas caixas, 1999Jogo dos Sete Erros, raquete, 1999Jogo dos Sete Erros, raquetes grossas e com buraco, 1999Jogo dos Sete Erros, raquete mole, 1999Jogo dos Sete Erros, miniatura, 1999Jogo dos Sete Erros, bolinhas, 1999Jogo dos Sete Erros, manual de montagem, 1999Jogo dos Sete Erros, cartas, 2001Jogo dos Sete Erros, cartas, 2001Jogo dos Sete Erros, castelo de cartas, 2001