Guia sobre o fazer

CHICO AMARAL

Minha obra se constrói em torno da lógica do jogo. Jogo com o entrelaçamento entre identidade, alteridade e paisagem. Jogo comigo mesmo, com os outros, com o entorno, com o tempo. E desde o primeiro movimento, a série Jogo dos Sete Erros (1998-2001), contemplo as questões que dão forma ao conjunto da minha obra:

  • Provocar interações;
  • Estender o tempo de fruição;
  • Debruçar sobre a palavra;
  • Incorporar o entorno;
  • Explorar mídias e linguagens sem transformá-las em protagonistas;
  • Estabelecer diálogo com referentes na história da arte;

Interações

Jogo dos Sete Erros, 1999
Jogo dos Sete Erros, 1999

A série O Jogo dos Sete Erros, que parte da questão “quando a bola cruza a rede, de quem é a jogada?”, envolve o público pelo lúdico e ativa várias possibilidades de interação a partir de regras inventadas, kits de montagem improváveis, mesas deformadas, raquetes distorcidas e mensagens em painéis eletrônicos e em alto-falantes.­ O público entra no jogo e “performa” com os simulacros do pingue-pongue. Sempre presente, a interatividade exerce papéis diferentes em cada obra. Em Retrato Falado (1999-2001), onde quatro retratos meus são produzidos por um técnico da polícia que nunca me viu a partir do depoimento de amigos, ela é o elemento que gera o objeto da obra. Já em O lugar das coisas (2015), uma mesa que “canta” somente para quem se debruça sobre ela, a interatividade é o canal por onde a obra se realiza.

Tempo

Rifa de Verbos, 2000

Utilizar jogos me permite estender o tempo de relação com as pessoas. Em Rifa de Verbos (1999), o público é convocado a retornar à exposição em seu último dia para saber quem acertou o verbo que completa a pergunta “por quantas vezes eu irei _ _ _ você?”. Recorro também a outras estratégias para esticar o tempo de fruição: em DÊ-ES-PA-ÇO-AO-TEM-PO (2006), a leitura da obra só é possível com o deslocamento físico, já que a frase/título da obra se apresenta dividida em sílabas impressas em placas penduradas nos postes de uma avenida. As mesas-instalações das situações escultóricas produzidas entre 2014 e 2015 também induzem a deslocamentos e demandam tempo do público. Desassossego (2014), provoca quase uma dança do observador, fazendo-o caminhar ao redor da obra, abaixar-se para ouvir pequenos auto-falantes e esticar o pescoço para enxergar os detalhes. Nostalgia (2014), faz com que as pessoas sentem-se à mesa para tomar um café.

Palavra

Descubra o desejo, descarte o medo, 2009

A palavra é uma constante: instruções, poemas, aforismos, para ser traçada ou ouvida, em braile, quase sempre ela aparece. Talvez por vício de ofício: trabalho em e com jornais desde a adolescência. A palavra é, com frequência, elemento fundador. Com ela faço o público construir o registro de uma paisagem oculta em Vista Cansada (2016), ou revelar meus medos e desejos em Descubra o Desejo, Descarte o Medo (2009).

Espaço

Para mim, a ocupação do espaço é determinante no que sucede com as obras, e faz parte delas. Por isso, costumo concebê-las a partir de elementos que possam variar em quantidade e escala, o que me permite ocupar diferentes espaços de forma consistente. Mesmo com obras bidimensionais tento apropriar-me do espaço e crio uma ambientação com objetos auxiliares que vão propiciar a interação, como em Enigma (2011) e Do Aparato (2016).

Mídias

Murmúrio, 2012

Produzidos com diferentes recursos, de drone a celular, vídeos e fotos, com frequência, integram as obras. Mas, mesmo quando uma projeção ou imagem ganha protagonismo, ela incorpora objetos ou usa uma escala que estabelece uma relação não convencional de exibição, como em Paisagem Densa (2012-2013), Murmúrio (2012-2013) e Borda (2016).

Referências

Tenho o retrovisor colado no meio do século passado e tomo emprestado um olhar que põe a arte nos intervalos do espaço doméstico, no caminho do trabalho, no ronco do ônibus, no tropeço com a porcaria das pedras portuguesas. Flerto com os ready mades, com Fluxus e me enredo nas estratégias do Pop e do Conceitual. Desde o começo, busco minha turma, como revela o amigo Gê Orthof, em texto de apresentação da série O Jogo dos Sete Erros: “quem seria o parceiro do artista nesse estranho jogo? Talvez Chico, ao escolher uma estética que permeia o tempo da infância e o espaço do cotidiano, a exemplo de artistas como Tony Ousler, John Baldessari, Mel Bochner, Felix Gonzalez-Torres, Jenny Holzer, Mike Kelly, Jeff Koons, ou Roni Horn, busque uma espécie de seleção natural de seu público”.