KARINA DIAS e GRAÇA RAMOS
Novembro de 2012. Publicado no catálogo da exposição coletiva “Ser, Paisagem”, com Chico Amaral, Gê Orthof, Karina Dias e Regina de Paula, curadoria de Karina Dias e Graça Ramos. Prêmio Funarte Arte Contemporânea 2012, Funarte Brasília.
O que norteia a prática artística de Chico Amaral são as indagações sobre o lugar de encontro entre o sujeito e o mundo, parecendo querer indicar que somos paisagem construída na relação com quem e com o que nos rodeia. O autorretrato como paisagem dinâmica que se afasta da mera contemplação para se tornar objeto do olhar alheio orienta a elaboração de Geografia pessoal – paisagem interna. Projetada na parede e animada em stop motion, a imagem mostra o rosto do artista dentro de um capacete transparente rodeado de pequenas fotos de pessoas com quem Amaral compartilha afetos.
A imagem em movimento recupera o sentido da leveza e da diversão, propondo a construção de um jogo – e o jogo faz parte da trajetória do artista desde o começo – entre o eu e o outro. No voltar-se para o relacional e o convivial1 o artista inventa engenhos que se fundam na percepção de que o humano “é a paisagem dentro da paisagem”, como gosta de explicar.
A partir dessa premissa, e fazendo parte da mesma obra, Geografia pessoal – paisagem externa apresenta a projeção da rotação de ralos de sucção de pias em latitudes diferentes, retratos das entranhas das duas cidades-afetos que habitam o artista, Brasília e Barcelona. Diante de imagens assemelhadas, mas, ao mesmo tempo, antípodas, pois os movimentos de rotação impostos pelas leis da física são invertidos, Amaral reforça a ideia de que a paisagem interior se funda e se desloca entre lugares e pessoas.
Habituado aos recursos das novas tecnologias de comunicação, lança mão novamente do stop motion, a animação quadro a quadro agora de um retrato seu de corpo inteiro, para recuperar antiga tradição, a do teatro de sombras. Vemos, então, ele, transfigurado em personagem, construindo, caixa a caixa, uma parede que termina por dominar todo o espaço da projeção. A obra aproxima-se do imaginário das antigas técnicas de mágica, enfatizando a sobreposição do tempo e da imagem, os contrastes entre luz e sombra. O encantamento atinge o ápice quando, no final da construção de Paisagem densa, o personagem desaparece. Ou, em leitura mais próxima da ideia de paisagem que norteia o artista, ele é absorvido pela paisagem, afinal, parte integrante da mesma.
Ideia que se radicaliza em Murmúrio. De posse de celular e máquina digital, Amaral registra instantâneos das muitas cidades – localizadas nas Américas, na Europa, na Ásia – pelas quais viaja a trabalho. Despreocupadas, realizadas sem a intenção de construir um discurso fotográfico, as imagens são projetadas, via slide show, em parede que recebe alto-falantes. Em cada um deles, o espectador ouve um trecho da frase-poema: “sobre tudo sobre vivo sobre voo sobro”. Para escutar todo o verso, há que se cumprir todo o percurso. Induz-se, assim, aquele que vê e escuta a se deslocar pela paisagem. Como no mistério de Ouroboros, o que começa primeiro, pois se a paisagem é essa, que paisagem sou? Nesse mundo de deslocamentos excessivos, de mutações rápidas de espaços e relações, a resposta dependerá da percepção de cada um sobre o que vê, escuta e absorve.
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1 BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.