A regra do jogo

GÊ ORTHOF

21 de fevereiro de 2000. Publicado em Gentil Reversão, 2002, CCBB – Brasília.

 

Chico Amaral produz obras que utilizam uma tática de intimidade pela subversão do olhar, do sentido da obra, do valor da obra de arte, da seriedade e mesmo da própria razão de ser da obra mesma. De pronto enfrentamos uma crise de escalas: macro x micro. Imensas e bizarras mesas de jogar pingue-pongue com minúsculas regras ou propostas impressas em bolinhas ou manuais de instruções. Um constante pingue-pongue entre as minúsculas ironias encontradas nas entrelinhas das regras e o gigantismo de mesas, redes e raquetes que nos intimidam a iniciar qualquer partida, ainda que mentalmente.

Qual a lógica desse mundo absurdo de um jogo que sequer pertence ao olimpo das atividades esportivas, como o distinto e próximo tênis, o sofisticado golfe, o popular futebol, ou a vigorosa natação? Quem realmente se importa com o pingue-pongue? Seria essa uma primeira pista? a ausência de valor do esporte escolhido? Sua memória atrelada a um local da infância? Quem seria o parceiro do artista nesse estranho jogo? Talvez Chico ao escolher uma estética que permeia o tempo da infância e o espaço do cotidiano, a exemplo de artistas como Tony Ousler, John Baldessari, Mel Bochner, Felix Gonzalez-Torres, Jenny Holzer, Mike Kelly, Jeff Koons, ou Roni Horn, busque uma espécie de seleção natural de seu público. Provavelmente muitos olharão com desprezo, ou sequer olharão, mas alguns irão certamente se deliciar com o jogo-dentro-da-arte-dentro-do-jogo que as instalações promovem desafiando e desafinando certas certezas que formam o que paradoxalmente se convencionou como regras do nosso contemporâneo.

Outra pista encontra-se nos intervalos (vários) que se insinuam em sua obra: a do som entre o ir de pingue e o vir de pongue, que lança luz sobre o e s(tem) p (o) a ç o entre o embate de um jogador e seu (aparente) adversário, entre a velocidade da imagem e a lentidão proposital da leitura. Chico brinca com o mestre Cage e flui em um desconexo sistema de entre-coisas que atiçam o inútil desejo, por parte do público, de reconstruir o todo. Mas aos poucos vamos percebendo que esse é um jogo que não se joga com o outro, mas com, ou contra, dependendo da expectativa, nós mesmos. O que parece estar irremediavelmente comprometido ao aceitarmos as regras do jogo são as nossas certezas. O jogo ardiloso é suficientemente hábil enquanto artesania para nos seduzir pela sua aparente inocência e logo, desarmados capitulamos hipnotizados talvez pelo deslocamento contínuo, e quase mecânico do bater e rebater da bolinha. Já não somos nem um nem outro. Apenas jogamos o jogo desejando um dia, talvez, descobrir a sua regra.

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